Em defesa da mais bela filosofia dos nossos tempos
Nós, que recusamos tanto os grilhões das certezas quanto o deserto do niilismo, tomamos aqui a palavra em nome de uma filosofia que ousa dizer “não sei” – e nisso repousa sua beleza. Não se trata de fraqueza, de covardia ou de renúncia: trata-se de uma forma superior de delicadeza diante do real.
Chamamos de ceticismo filosófico moderno essa atitude que renuncia a fixar o mundo em fórmulas, a capturar o outro em juízos, a submeter a vida a doutrinas. Aprendemos com Montaigne que “le plus grand chose du monde, c’est de savoir être à soi”¹. E isso não se faz com verdades de pedra, mas com o barro flexível da dúvida.
Nós preferimos a interrogação à conclusão. Preferimos a escuta à pregação. Preferimos o gesto de suspender o juízo ao ato de impor uma crença.
O cético moderno não vive sob o peso de um sistema, mas sob a leveza de uma investigação interminável. Ele não combate dogmas com outros dogmas. Ele os desfaz com gentileza. Quando vê um espírito encerrado numa fortaleza de convicções, não tenta invadi-la: apenas abre uma janela. Não para mostrar outra verdade, mas para deixar o ar circular.
O cético não nega o mundo: ele o aceita em sua fluidez, em sua multiplicidade, em sua impermanência. Como ensinava Sexto Empírico, “le sceptique, grâce à sa philosophie, n’affirme rien, ni comme dogme ni comme théorie”². Ele anda entre os homens como alguém que observa, que hesita, que escuta. Ele pensa com os pés descalços.
Nós acreditamos que o ceticismo é a filosofia mais bela porque é a mais amorosa. Ele não deseja converter, salvar ou redimir. Deseja apenas conviver, compreender, circular entre os pontos de vista – não por fraqueza, mas por generosidade. O cético não exige certezas porque sabe que o outro é sempre um mistério. Ele não se escandaliza com a contradição, porque ele próprio já não coincide consigo.
Como escreveu Pascal, “le moi est haïssable”³ – mas o cético não o odeia: ele o dissolve. Com Nietzsche, aprendemos que “ce n’est pas le doute, c’est la certitude qui rend fou”⁴. E com Montaigne, aprendemos a rir de nossa pretensão de saber, a desacelerar o pensamento, a abandonar o trono da razão.
Em tempos de fanatismo e algoritmos, de polarizações e promessas de verdade, o ceticismo é o respiro, o recuo, a pausa que nos salva. Ele é o direito de não saber, a beleza de não concluir, a coragem de não decidir sobre o outro. É a filosofia que ama a pluralidade e não teme a ignorância.
É a mais bela porque nos devolve ao mundo – sem armas, sem dogmas, sem medo. E de mãos vazias, enfim, podemos tocar.
- MONTAIGNE, Michel de. Essais, Livre I, chapitre 39, “De la solitude”. Paris : Gallimard, Bibliothèque de la Pléiade, 2009, p. 249.
- SEXTUS EMPIRICUS. Esquisses pyrrhoniennes, Livre I, §4. Paris : Seuil, coll. Points, 1997, p. 23.
- PASCAL, Blaise. Pensées, fragment B494 (Laf. 455) : “Le moi est haïssable.” Paris : Gallimard, coll. La Pléiade, 1976, p. 629.
- NIETZSCHE, Friedrich. Le Gai savoir, §2. Traduction de Henri Albert. Paris : Gallimard, 1971, p. 28 : “Ce n’est pas le doute, c’est la certitude qui rend fou.”
